domingo, 31 de maio de 2009

Conto: Temperos



Há dois anos, Maria havia terminado o curso de gastronomia e se formado Chef de cozinha pelo Instituto Cordon Bleu, na França. Desde então trabalhara em três dos melhores restaurantes franceses, inclusive no famoso El Bulli, onde aprendeu a arte do preparo de finger foods, iguarias de altíssima complexidade, servidas em pequenas porções, na medida certa de uma mordida.

Seu mentor e amigo, Pablo, a ensinou suas técnicas e as melhores formas de preparar um jantar, gastronomicamente falando, elegante e equilibrado. Mas, sobretudo, lhe ensinou o segredo de harmonizar as texturas, sabores e odores dos alimentos, transformando uma simples refeição em algo soberbo e memorável.

Durante meses Maria experimentou, testou, cozinhou e se revoltou com os resultados frustrantes e imprevisíveis que chegava. Nem sempre o seu objetivo era alcançado e isso a tirava do prumo, aumentava sua obsessão. Maior do que a vontade de abrir o seu próprio restaurante, do que ser famosa e reconhecida, era o seu sonho de criar o prato perfeito.

Um dia, cansada de tantos fracassos, revolveu largar tudo, pegar as suas economias e viajar. Viajar pelo mundo até encontrar a combinação perfeita de ingredientes. Ficar restrita na Europa não iria acrescentar mais nada na sua busca. Pablo não tinha mais nada para ensinar. O mundo seria seu novo parâmetro de busca. Viajaria pelos quatro cantos, de norte a sul, por anos a fio, até que se sentisse segura para apresentar as suas criações, até que tivesse a certeza de poder dar um passo, maior do que os dados pelos mais famosos e criativos chefs. Seria incansável, procuraria até criar a sua revolução.

Vendeu tudo que tinha e fez um empréstimo de duzentos mil euros. Sabia que nunca mais voltaria à França para pagá-lo. Um pequeno golpe, mas de imensa valia para a realização de seu sonho. Comprou uma passagem aérea e foi direto para o Vietnã. Por lá ficou trinta dias, conheceu temperos, comeu ratos, insetos e frutas da floresta tropical. Sempre de posse de seu pequeno caderno, onde anotava tudo, telefones, fornecedores, possíveis misturas e receitas, e, principalmente, as sensações que sentia ao degustar cada ingrediente.

Foi ao Bornéu, Sibéria, Alaska, qualquer lugar onde existisse um povoado isolado, que pudesse estar cultivando seus próprios alimentos e criando receitas com identidade própria. Passou um tempo com os Jarawas, da Índia, os Sentinelese, nas ilhas Andamão, e os aborígenes na Austrália. Ficou por ali durante quase um ano, até que decidiu viajar para a áfrica e se embrenhar na savana, nas tribos indígenas, com os pigmeus e os Nuba.

Sua inteligência e capacidade de guardar combinações, só se igualavam aos seus potentes olfato e paladar. Suas anotações já formavam quase uma enciclopédia, porém sua busca ainda não havia sido concluída. Precisava ainda voltar a América do Sul e a seu país de origem, o Brasil. Lá, quem sabe, encontraria o ingrediente final, o santo graal de seus pratos. Não sabia ainda o que era e nem como encontrá-lo, mas iria procurar, por mais 10 anos se necessário. Misturar-se-ia, novamente, com os índios e extrairia o conhecimento reservado de cada tribo, uma preciosidade, deixada de lado por todos.

Desembarcou em Rio Branco, no Acre, estudou fotos de satélite e conversou com os moradores locais. Precisava encontrar a tribo Maskos, que até hoje, só havia sido vista por fotos e vivia isolada na divisa entre o Brasil com Peru. Decidiu por comprar um pequeno barco e deu um jeito de descer o Rio Envira.

Fez sozinha a viagem, ela, suas anotações e um aparelho GPS. Quase morreu na jornada e por muito pouco também não foi morta pelos índios. Por fim conseguiu ser aceita e passou seis meses com eles, até que a estação das chuvas passasse e ela pudesse retornar a civilização. Durante sua estadia, conheceu os costumes mais infames da tribo, sua religião, experimentou de tudo que a floresta poderia oferecer, até que um dia, sua busca terminou. Ela havia descoberto o seu Graal, o ingrediente que faltava para seus pratos.

A viagem de volta foi mais fácil e rápida, já estava ambientada. Por sorte, apesar de passar tanto tempo viajando, o seu dinheiro ainda não havia acabado, possuía cerca de cem mil euros, investidos em um banco suíço, poderia seguir em frente. Então com um imenso sorriso no rosto, a vida toda pela frente, dinheiro para investir e um sonho para realizar, Maria se mudou para São Paulo.

Precisava dar início a sua tão sonhada revolução, mas para isso precisava estar em uma cidade grande, envolta entre milhões de pessoas, na invisibilidade caótica da cidade grande. Após se estabelecer e escolher um lugar para o seu tão sonhado restaurante, começou a reforma e a procura pela matéria prima de suas criações. Visitou favelas, feiras, bocas de fumo, pontes e edifícios abandonados. Encontrou tudo o que precisava.

Com tudo acontecendo, a uma velocidade incrível, deu entrevistas na televisão, contou a sua história, cozinhou com a Ana Maria Braga, saiu em revistas especializadas e faturou algum dinheiro. Isso tudo, antes mesmo de abrir seu próprio espaço.

Faltando um dia para a inauguração, seu restaurante estava pronto, em uma casa intimista, com apenas doze mesas, que teriam a oportunidade de apreciar o cardápio secreto. Maria cozinharia e as serviria, sozinha, sem ajudantes. Ela era muito boa para dividir seu conhecimento com outras pessoas.

Às 21:00 hs, recebeu Cristovão, um repórter independente, que estaria fazendo uma matéria para à Folha de São Paulo. Ele seria o felizardo, o primeiro a experimentar os pratos da tão comentada chef, aquele que faria a matéria da capa e a lançaria de vez para o estrelato.

— Boa noite Maria! — disse ele ao ser recebido pela inusitada chef.
— Boa noite! — respondeu. — Vamos entrando. Temos muito a conversar e quem sabe até degustar alguma coisa.

— Obrigado. — Ele entrou e percebeu a influência indígena na decoração do ambiente. Sua imaginação fluiu e seu suspiro de surpresa pode ser ouvido.
Você gostaria de uma taça de vinho? Tenho aqui um bom Chardonnay, que harmoniza perfeitamente com algumas de minhas entradas.

— Claro que sim, vou aceitar todas as suas sugestões. — eles então se sentaram em uma mesa decorada, com tons e peças que lembravam a floresta, e iniciaram uma conversa descontraída e animada.
Estou gostando muito de tudo isso aqui. Bem que você me falou, é de tudo de extremo bom gosto.

— Espere até provar o que eu trouxe do Acre. Minha receita especial. — um sorriso cordial e um pouco malicioso completou o comentário. Em seguida ela serviu três entradas finamente decoradas.

— Mal posso esperar! O que é isso? — perguntou enquanto dava mais um gole no vinho.
Sinto muito, meu amigo, mas o segredo é a alma do negócio. Você terá que se virar sozinho.

Ele então pegou a primeira peça, analisou o visual, cheirou e a levou na boca. — Divina, estou sem palavras, nunca senti algo assim, a textura é agradável, o sabor discreto e diferente de tudo que já provei. Elegante e sensual. Você jura que não vai me dizer quais são os ingredientes principais?

— Ainda não, porque estragaria a surpresa, e além do mais você é repórter e poderia contar a todos. Contudo, acho que eu poderia, pelo menos, te mostrar a cozinha, afinal ela também é importante, não acha?

— Sem dúvida!

— Só te peço um pouco de cuidado, na hora de entrar, pois está repleta de preciosidades.

Dirigiram-se então para a melhor parte do restaurante. Ao entrar, Cristóvão não pôde deixar de notar a qualidade dos equipamentos, as pratarias, copos diferenciados e o conjunto de facas preso na parede. Em seguida, voltaram para o ambiente principal e Cristóvão se sentou na mesa outra vez. Maria mudou a música e abriu outra garrafa de vinho, desta vez um Malbec, encorpado, pronto para ser bebido com carnes de caça, fortes e de sabor potente.

— Vou buscar o prato principal.

Em dois minutos retornou e serviu mais três iguarias, preparadas de forma a fazer vibrar os olhos e enaltecer a alma. Ele provou cada um dos pratos como se tivesse ganhado um prêmio.

— Você não queria saber qual era o ingrediente principal, aquele que você nunca tinha provado? Então o que você acha que é? — falou dando o mesmo sorriso malicioso de antes.

— Sensacional, em toda a minha vida eu nunca provei nada igual, acho até que ninguém o fez. Meus parabéns, me surpreender é algo difícil e você tirou nota dez. Amanhã você pode esperar por uma crítica positiva. Entretanto, infelizmente, ou será o contrário, eu não consegui decifrar o seu segredo.

— Você vai ter que tentar mais vezes! Te espero na semana que vem?
Com certeza.

A entrevista continuou por mais algum tempo e ambos se divertiram muito. Após uma trufa de chocolate como sobremesa e um cafezinho, se despediram.

— Caramba, acho que desta vez eu acertei a mão — disse Maria, então se afastou e pegou uma das facas, a menor delas, usada para fazer sashimi. Acho que vou precisar arrumar mais alguns ingredientes para meus pratos. Ela então abriu o freezer, e começou a preparar os ingredientes para o dia da tão sonhada inauguração. Fígado, miúdos, olhos e carne vermelha.

No dia seguinte, como previsto, a inauguração foi um sucesso, os críticos das mais renomadas revistas de culinária se fartaram de tanto comer e já deixaram a reserva feita para a próxima semana. Ao final, Maria gargalhava para as paredes, enquanto se lembrava da sua estadia na tribo canibal dos Maskos. Viajara o mundo inteiro sem saber que o segredo estava aqui mesmo no Brasil. Que ironia.

domingo, 17 de maio de 2009

Concurso Escritores de Terror



Este mês está rolando o concurso de escritores de terror e vai rolar uma porção de premios. Espero entrar com um novo conto. Veremos.

http://concursoescritoresterror.blogspot.com/