domingo, 1 de novembro de 2009

Conto: A viagem




Mais um conto fresquinho! Espero que gostem da leitura. Um abraço

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Éramos seis, sozinhos, sentados um de frente para o outro, em duas fileiras, calados, olhando o mar passar embaixo de nossas cabeças.
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A visão da ilha, ao longe, me despertou; me fez sentir um pequeno arrepio. Foi uma sensação estranha; interessante. Diferente dos outros, eu possuía uma capacidade ímpar de não me emocionar, não sentir nada. Eu não possuía valores morais, não sentia empatia pelas pessoas. Mesmo assim, aquele momento mexeu comigo. Por apenas um segundo, me senti diferente.
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Eu viajava em segredo, às escuras do mundo, ninguém sabia de minha existência. Sentia-me como um fantasma. Todos me taxavam de louco, doido varrido. Talvez por isso, eles sabiam que apenas eu teria a capacidade necessária para realizar aquela tarefa.
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A guerra continuava lá embaixo. O mundo todo estava perdido em meio ao caos, sem saber quando esse festival de horrores iria terminar. Não importava mais para onde olhássemos, a morte estava lá, com seu semblante sombrio, trazendo sofrimento aos poucos sobreviventes dos ataques. Hitler estava morto, a Alemanha caíra e o reinado de terror ariano havia terminado. Mesmo assim, o Deus da guerra era teimoso demais para ir embora.
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Viajamos por algumas horas, tomamos uns goles de Bourbon para distrair, e conversamos sobre as nossas famílias e mulheres, que estavam em casa nos esperando. Durante a espera, falávamos sobre qualquer coisa para passar o tempo.
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O antigo B-29 era desconfortável e vibrava muito. Apesar disso, era o mais adequado para carregar a encomenda. Com suas três divisões, bancos de metal e espaços abertos, mais parecia uma banheira voadora do que um avião com hélices. Era o que tínhamos e teria que funcionar.
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Quando vi a cidade se aproximar, dei a uma última tragada no meu cigarro, tomei um gole de água e olhei para os soldados em minha volta. Seus olhares nervosos pareciam perdidos em meio à loucura que eu iria fazer. Meus dedos coçavam, a respiração ficou descompassada, a garganta seca, o coração estava disparado.
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Era chegado o momento, muita gente morreria. Eu iria escrever meu nome na história, mudar os rumos da humanidade, mesmo que ninguém soubesse que eu estava ali. Não importava, eu sabia e isso bastava.
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Aproximei-me dos controles, enquanto o resto da tripulação me observava incrédula. Em menos de um segundo, estava tudo feito, a minha vida mudou. As luzes iluminaram o céu e a terra; achei que ficaria cego.
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Foi tudo muito rápido, e ao final, um sorriso maroto teimou em permanecer no meu rosto. Meus companheiros me olhavam horrorizados e aquela sensação de poder me consumiu. Eu havia me tornado um monstro.
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À distância, fiquei observando, emocionado, o cogumelo atômico se formar no horizonte, enquanto isso, o Enola Gay voava acelerado para longe dali. Hiroshima se fora, e em poucos dias Nagasaki teria o mesmo destino. Eu mal podia esperar.

3 comentários:

Mario Carneiro Jr. disse...

Uia! Sabe que me surpreendeu? Conto legal pacas, fio!

Só não gostei de um detalhe (sou chato mesmo, ahauha!). Se o personagem era incapaz de sentir qualquer coisa, isso torna estranho o fato dele ter sentido um arrepio ao ver a ilha! Mas enfim, pode ser implicância minha também, sei lá, um arrepio é diferente de emoções, é mais físico... Bom, só sei que pra mim soou estranho. Fica a dica para reler e concordar ou discordar, rsrs.

Abração!

Bruno disse...

Valeu a dica. Mas quando eu disse isso, me referia a sentimentos como empatia por exemplo.

Bruno disse...

De qualquer jeito, mais tarde vou reler e completar o que faltou para o entendimento.
Abração.