sábado, 14 de novembro de 2009

Conto: Sozinho




Mais um continho para encher o blog. Esse aqui eu mandei para o desafio de novembro da comunidade "Histórias de Terror" no Orkut.
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— Meu Deus, que dor de cabeça! Que ressaca é essa que tomou conta de mim? O pior é que não me lembro de ter bebido nada ontem. Pra falar a verdade eu não me lembro de muita coisa.

Alguns segundos se passaram até que tomasse coragem de abrir os olhos. Para sua surpresa, quando o fez, estava tudo escuro. Uma escuridão anormal, muito diferente da habitual. Tentou se levantar e bateu a testa com força.

— Caramba!

Abaixou devagar a cabeça. Só então entendeu que não estava mais no seu quarto. Esticou as mãos para cima e encostou no teto, que estava a apenas dois palmos acima de seu rosto. Sentiu a parede próxima ao seu lado esquerdo, e um pouco mais distante no direito. Bateu os pés e sentiu o fundo. Uma descarga de adrenalina percorreu seu corpo e dor de cabeça passou.

— Meu Deus, o que é isso? Socorro! — Gritou, chutou, bateu as mãos tentando se levantar, ou quebrar as paredes que o circundavam; só então parou e tentou se acalmar.

— Me enterraram vivo, só pode! Que merda é essa? — Sua mente girava de tanto nervosismo. Sem opção, ficou ali, parado, respirando profundamente até que o coração disparado voltasse ao normal.

— Tenho que pensar, permanecer calmo ... o que pode ter acontecido, o que eu fiz? Não consigo me lembrar de nada!

A dor de cabeça voltou, dessa vez com força total, bem atrás da orelha esquerda. Ao passar a mão, sentiu um galo enorme. Só então percebeu o motivo de sua amnésia. Será que fui assaltado e estou dentro do baú na sala de casa? Ou fui seqüestrado? Meu Deus e minha família? O que houve com eles? Os pensamentos foram, voltaram, e nada surgiu, só o medo e a escuridão; nenhuma lembrança. Será que me drogaram? Será que estou num pesadelo, meu Deus me ajude, por favor, me dê uma luz de esperança, me faça acordar.


Sem respostas começou a tatear o fundo de seu cubículo a procura de algo que pudesse ajudá-lo a sair dali. Sentiu próximo do teto um pedaço de mangueira e no fundo encontrou um pequeno cilindro. Uma lanterna! Mexeu nela até que conseguiu iluminar o ambiente.

— Obrigado meu Deus! — Agradeceu aliviado. Sua fé aumentou de novo. A crença naquele que tudo pode era o único porto seguro que conhecia.

Ao passar a lanterna pelos lados percebeu que estava preso em um tipo de caixa. Ao iluminar o lado esquerdo viu um vulto, deitado a seu lado, e isso quase o matou de susto. Com um grito alto e um pulo tentou fugir dali, um reflexo condicionado pelo pavor. Contudo, a única coisa que conseguiu foi machucar o joelho e bater a cabeça outra vez.

Como nada aconteceu, iluminou de novo aquele ponto e percebeu que na verdade, ali havia um espelho. Por um minuto, permaneceu imóvel tentando entender o motivo daquela porcaria estar lá. Só depois continuou a vasculhar o interior de sua prisão. Não encontrou nada.

Ouviu então barulhos, apenas alguns ruídos distantes. Talvez crianças brincando ao fundo? Isso era um bom sinal. Não estava enterrado tão fundo, quem sabe seus gritos poderiam ser escutados? Quem sabe aquela escuridão poderia indicar que estava de noite.

Tinha que pensar no que fazer, iluminou o teto e ficou olhando para o pequeno pedaço de mangueira preso na tampa. Pelo menos se chover um pouco, a água poderá entrar e matar a sede. Tenho certeza que vai chover, todo dia chove, pensou.

Por vários minutos, gritou por socorro até que finalmente desistiu. Não conseguia sequer decidir a respeito de apagar a lanterna, talvez essa fosse a melhor opção, já que ela poderia ser necessária mais a frente. A pancada na cabeça doía muito e a tontura incomodava. Resolveu então apagar a luz e rezar um pouco. Quem sabe outra providência divina ocorresse.

Ficou ali rezando por uma duas horas, sem que nada acontecesse. Nenhum barulho foi ouvido e nada ocorreu. O pensamento de ter sido deixado no meio do nada estava descartado, pois era possível ouvir os sons da noite, os grilos e os pássaros.

Foi então que num estalo se lembrou de todo o ocorrido. Uma agonia tomou conta e os gritos saíram de sua garganta, de forma incontrolável, assim como as lágrimas desceram, molhando a sua face com a dor e a tristeza. Acendeu a lanterna novamente e olhou bem dentro de seus próprios olhos, refletidos no espelho.

— Agora eu entendo vocês, seus desgraçados! Deixaram este espelho aqui para que eu morresse olhando para o meu próprio sofrimento. Que tipo de monstros são vocês? Por que eu? O que eu fiz para merecer isso? Meu Deus, por que eu, porque minha família? — O choro vinha do fundo de sua alma, afinal, eram muitas dúvidas, muitas questões a ser respondidas.

Ele ficou aqui, estático, de olhos fechados, imerso em pensamentos. Lembrou do exato segundo em que tudo começou, do som dos tiros sendo disparados e dos gritos de dor de sua esposa moribunda, ajoelhada, estuprada, ferida, chorando, chamando-o. Lembrou da risada ecoando nos corredores.

As horas passaram e o dia surgiu. Assim como a luz tomou conta da escuridão, para seu desespero o calor tomou conta do frio. Aquela época do ano era implacável, de dia o calor era sufocante e à noite o frio tomava conta de tudo.

Após algumas horas cozinhando, o suor já havia encharcado suas roupas e os sintomas de desidratação estavam aparecendo, a boca ressecada e o coração acelerado. O nervosismo e a sensação de desistência começaram a contaminar seu coração. Quando mais nenhuma esperança se fazia presente, o som de um motor funcionando o despertou.

— Socorro! — Por várias vezes gritou com toda a força de seus pulmões, até que ouviu duas pancadas no teto da caixa em que estava preso. Suas preces foram atendidas.

— Me tirem daqui. Socorro! Me ajudem! — Ao invés da tampa se abrir, água começou a pingar pela mangueira.

Ele bebeu sem parar; o tanto que conseguiu. Não podia se dar ao luxo de morrer de sede. Em seguida, começou a sentir um movimento. Era como se estivesse andando, sendo transportado para algum lugar. O estranho era o balançar que não parava. Para cima e para baixo, intermitente, infinito.

Ninguém mais apareceu, por horas os gritos ecoaram dentro da caixa, mas aquela pessoa não deu mais sinal de vida. O balanço era forte e cadenciado; ficar naquela condição era enlouquecedor. O enjôo quando surgiu, teimou em não mais ir embora. O próximo passo foi o vômito, incontrolável, repetitivo. Mas vomitar não era o problema, nem o cheiro de bílis. O que complicava era a desidratação. Como médico, ele sabia que a morte por desidratação era muito violenta, a pessoa sofreria horrores antes do fim.

A escuridão chegou mais uma vez, porém não era possível saber se era oriunda do caminhar do dia ou se apenas a luz fora apagada. O balanço continuava, assim como o desânimo. A possibilidade de nunca ser resgatado já passava pela sua cabeça. Somente a dúvida, sobre o porque de tudo aquilo estar acontecendo, é que persistia. Gritar já não era mais uma opção, não fazia mais sentido.

Ele acendeu a lanterna mais uma vez e olhou em volta. Seu reflexo estava muito ruim. Os olhos fundos e os lábios rachados. Definitivamente a desidratação estava começando a ser um problema. Ao contrário dos enjôos, que depois de um tempo já haviam diminuído.

A noção do tempo sumiu, as luzes ficaram apagadas por muito tempo. A sede e a fome eram assustadoras, mas era o desânimo o pior sentimento. Nem a sensação de agonia causada pela imobilidade era pior que o desânimo. Nem mesmo as câimbras causadas pela imobilidade e pela perda de potássio.

A medida que o tempo passou veio a diarréia, e a noite que ao invés de descansar o corpo se transformou no delírio de um moribundo. Em pouco tempo, as fezes começaram a assar as pernas e o ânus, mas não era possível fazer nada, a caixa era muito apertada para se tentar retirar as calças e limpar a sujeira.

Nada restava a fazer, somente rezar. Com o tempo, as baterias da lanterna se foram e a escuridão se transformou na sua única companhia.

Quando a luz voltou, uma sensação de esperança surgiu novamente, e junto com ela veio a água, abundante para matar a sede. Para a fome nada, senão a hipótese de comer as próprias fezes e os restos de vômito que fermentavam no calor.

O sol, como sempre, era implacável. Ficar naquela sauna talvez fosse o pior tormento que alguém poderia ter imaginado. Nada seria pior. Ser enterrado vivo parecia ser algo muito mais aconchegante.

Os dias se passaram, entremeados pela solidão, sofrimento, o balanço e as pequenas doses diárias de água. Nenhum outro barulho, além do motor, era ouvido; nenhuma voz; nada.

Nada, até que um dia, dois tiros puderam ser ouvidos, e a luz mais uma vez se acendeu. Em seguida a caixa foi aberta. Por mais que parecesse absurdo, a sensação de ser salvo se tornou plausível. O coração se encheu de esperança e alegria. Um policial abriu a tampa.

— Fique calmo, estou aqui para te ajudar. — Sua expressão era de surpresa, ao ver aquele moribundo esquálido, sujo, de olhos secos e pele ressecada. O cheiro da sujeira era insuportável.

— Não se preocupe, eu vou ajudá-lo.

— O que houve? Quanto tempo estive aqui?

— Você está desaparecido por doze dias, mas fique calmo, você agora está a salvo.

A luz do dia, apesar de muito forte, era ao mesmo tempo reconfortante. Ao sair do cômodo, a visão do alto mar esclareceu muitas dúvidas. Mas nada poderia ser melhor que a sensação de viver novamente. Ter uma nova chance de consertar os erros do passado. Uma dádiva, por muitas vezes implorada nas orações. Mas as suas forças eram poucas, e o corpo estava fraco. Tudo escureceu novamente.

Mais tarde ele acordou. Estava deitado em uma cama confortável e usando uma bata de hospital. A mangueira de soro estava presa em seu braço esquerdo, e bem na sua frente, sentado em uma cadeira, estava o policial que o salvou.

— Amigo, o que houve comigo?

Ele respondeu com um sorriso no rosto, de forma amigável, quase fraternal. — Você foi seqüestrado, torturado e preso em uma caixa de madeira.

— Porque fizeram isso comigo?

Dessa vez, em meio a um olhar sarcástico, as palavras saíram de sua boca, quase que em câmera lenta.

— A pergunta certa é: porque não?

O tempo pareceu parar por um segundo! O coração parou uma batida. Em seguida veio um murro certeiro no queixo e tudo escureceu novamente.

Ao acordar, ele percebeu que tudo começaria outra vez. Só que dessa vez, um bilhete, preso na tampa da caixa, dizia: "não se preocupe, quando você desmaiar de fraqueza, eu te colocarei no soro, te hidratarei, alimentarei, farei com que sobreviva indefinidamente."

À noite, a luz então se apagou mais uma vez, só que dessa vez levou junto toda a esperança.

5 comentários:

Tyr Quentalë disse...

Andou vendo CSI, não é? rsrsrsrs
Mas vamos lá, seu conto, diferente do episódio do qual vc usou a imagem, é muito mais agonizante. Argh... Ainda me pergunto que crime o cidadão cometeu, será que esta pergunta será respondida?

Bruno disse...

Oi Tyr,

Que bom que você gostou do conto.

Veja só, apenas a imagem tem a ver com o ep. antológico dirigido pelo Tarantino (eu tenho essa mania de colocar uma ilustração em cada postagem).

O conto todo veio na minha cabeça de uma vez só, num estalo, e pronto. Eu mesmo me senti um pouco sufocado quando acabei de escrever.

No mais, ele acaba aqui mesmo. Pode ser que mais pra frente eu volte a mexer nele, mas por enquanto não.

Obrigado pela leitura e pelo comentário.

Rodrigo disse...

O conto é tão asfixiante quanto às dúvidas que nascem após a leitura do texto. Por que não? O que ele fez? Será que ele fez alguma coisa muito ruim ou é uma vítima aleatória? Mataram a família dele mesmo? Vou te perguntar hoje no almoço, quando abrirmos a primeira cerveja.
Muito bom, li em apnéia.

Bruno disse...

hahaha!

Valeu!

Nem de fogo eu respondo essas.

Mario Carneiro Jr. disse...

Tudo bom, Brunão? Cara, eu assisti essa maravilha, realmente é muito bom. Se você gostou desse filme (aliás, bem sua carinha esse filme, rsrs), creio que irá gostar do livro Assombro e do conto Tripas.

Ah, deixa eu contar a novidade... agora sou funcionário público também! Passei num concurso, rapááá! Rsrsrs. Continuo estudando pra outros concursos melhores ($) que vão aparecer logo, então a literatura ainda está meio de escanteio, guardadinha, esperando... mas espero logo logo voltar as minhas atividades de escrevinhador, he he.

Grande abraço, vamos nos falando.