quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

CONTO: PSICÓTICO.....



— Pois é meu amigo descamisado, eu ainda fico irritado todas as vezes que penso no assunto. Hoje faz cinco meses que estou preso nesta merda de hospital, neste manicômio. — A minha irritação cresce a cada segundo que fico olhando estas paredes brancas, nesta sala desprovida de tudo. O som dos internos conversando em suas próprias línguas incomoda meus ouvidos e o fedor de urina enjoa meu estômago, mas como não tenho nada para fazer mesmo, fico conversando sozinho ou com qualquer um que esteja na minha frente. Mesmo que ele não compreenda o que estou dizendo.

— Talvez se você parasse de brincar com essa colher e limpasse essa baba nojenta aí da sua boca a nossa conversa pudesse fluir um pouco melhor. Não é mesmo? Meu Deus o que estou fazendo, achando que esse aí poderia entender alguma coisa. Ninguém aqui pode, vocês são todos loucos, doentes. Só eu sou são.

— Eu entendo o que você diz — respondeu ele, para a minha surpresa, voltando em seguida a mexer na colher. — Me conte a sua história, por favor. Quem sabe não possa ajudá-lo.

Meus pensamentos então se voltaram à época anterior a minha internação e eu me lembrei o que passou. Nesta hora me veio a tristeza, a saudade e o medo de realmente estar louco. Tudo estava vivo dentro de mim e uma lágrima escorregou nos meus olhos quando me lembrei do meu filho. Era agosto de 2008.

— Bom, eu vou te contar exatamente o ocorrido, como se você estivesse vendo tudo por meus próprios olhos. Talvez assim você acredite em mim. Eu estava voltando para casa depois de um dia infernal de trabalho e pensando: Meu Deus, eu não agüento mais essa vida. Desde que minha mulher faleceu e eu assumi, sozinho, a criação do meu filho de dois anos, a minha vida ficou uma loucura. O trabalho em excesso está me deixando maluco. Tem dias que não agüento nem me mexer de tão cansado. Ando irritado e perdido. Hoje é um desses dias, exagerados, cansativos, enlouquecedores. Penso que estou adquirindo a síndrome do pânico porque quando estou sozinho sinto medo e o ar me falta, parece que o mundo vai fechar sobre mim. Tenho a impressão constante que estou sendo vigiado e que algo ruim poderá me acontecer. Este medo já me acompanha a algum tempo, mas sempre piora quando chego em casa. Não sei porque.

Mais uma vez cheguei em casa e a bábá foi embora no momento exato que pus os pés na sala. Nunca me sobra tempo nem para lavar o rosto. Enquanto esquentava a mamadeira, que estava pronta em cima do fogão, percebi que meu filho estava entretido no canto da cozinha com algumas moscas que voavam e pousavam em sua mão. Ele então olhou para mim e sorriu. Sorri de volta e fiquei estático por um segundo, vendo o que se passava. Por seus lábios entreabertos, saiu uma mosca, que subiu voou e pousou próximo a seu olho. Gritei com ele e corri em seu socorro. Mais algumas moscas saíram de sua boca, quando ele finalmente se mexeu e começou a chorar. Eu nem havia percebido que ele estava imóvel. Seus olhos vidrados voltaram ao normal e as lágrimas desceram rapidamente. Corri e o peguei nos braços. Levei-o então para nosso quarto e dei a mamadeira.

Eu me sentia estranho como se algo não estivesse certo. Arrumei o quarto e fui abrir a janela, pois estava muito calor. Vários insetos estavam pousados no vidro, pelo lado de fora. Achei aquilo esquisito, mas deixei para lá e o coloquei para dormir.

O meu menino já adormeceu, pensei, finalmente acho que vou conseguir dormir. Seu berço, daqueles desmontáveis azuis, fica bem em frente a minha cama e se eu levantar a cabeça consigo vê-lo por entre meus pés. É o suficiente para me tranqüilizar, saber que ele está seguro e próximo a mim. As cortinas grossas e as persianas metálicas fazem com que a escuridão preencha todos os espaços. Minha cama, larga e confortável fica encostada na parede e do outro lado está uma mesinha com minha água. Os armários encostados na parede, sempre com as portas fechadas e alguns quadros completam a decoração.

Nem acredito que me deitei e apaguei as luzes, só que ainda assim não me sinto bem, não estou conseguindo relaxar, minha garganta parece que está seca. Será o pânico de novo? Esse escuro, essa sensação de que estou mergulhado no breu, a impotência, o vazio, estão me fazendo suar. Tenho que me controlar. Meu coração está disparado.

Me sento na cama, mas a escuridão ainda me domina, não vejo nada, parece que estou flutuando no espaço, no limbo, no purgatório. Será que morri? Nem sei se estou de cabeça para baixo ou não, perdi a sensação de espaço. Maldita hora que fechei a porta do quarto. Se eu acender a luz vou acordar o meu filho e estou cansado demais para niná-lo de novo. Tenho que me controlar. Quem sabe se eu rezar um Padre Nosso me acalme e pegue no sono.

Me deito de novo. O meu travesseiro é confortável e ficar no canto da cama me facilita respirar. (...)Padre nosso que estais no céu(...). Acho que vou adormecer, mas essa sensação estranha que estou sentindo desde cedo não me deixa. Tenho certeza que além de mim e do neném não há mais ninguém aqui. Meu coração ainda está disparado. Acho que se continuar rezando consigo pegar no sono. Olho em volta e não vejo nada, escuto apenas o respirar agitado de meu filho. Parece que ele também está agitado. Pisco os olhos, (...)santificado seja o vosso nome(...).

Coisas estranhas passam pela minha cabeça, acordo assustado e suando, minha camisa encharcada. Será que adormeci ou apenas viajei em meus pensamentos? Fecho os olhos novamente e sinto ao meu lado uma brisa, gostosa, refrescante, quase imperceptível, refrescando minha nuca. Meu coração dispara, não consigo me mexer, estou paralisado, sentindo a brisa ir e voltar. Que diabos é isso, como pode estar ventando se o quarto está todo fechado? E agora o que faço? Me viro com força e tento ver o que está do meu lado, mas a escuridão era total e a brisa parou. Respiro profundamente e tento me acalmar. Que pesadelo foi esse pensei. Fecho os olhos e relaxo acho que vou tentar dormir de novo. Então dedos tocam levemente em minha face. Eu grito, grito e grito novamente. Alguém estava ali e me tocou, pulo para fora da cama e caio no chão. Fico esperando pelo pior e nada acontece de novo.

Desta vez eu senti, tenho certeza. Corro e acendo a luz. Não há nada no quarto. O que está acontecendo comigo? E como o neném não acordou se eu gritei? Olho então para meu filho e ele está ali dormindo, calmamente, sereno. Abro a porta do quarto e acendo a luz do corredor. Nunca mais dormirei neste breu, decidi. Volto para a cama e tento relaxar novamente. Esses pesadelos têm que passar.

Desta vez ficarei olhando para a porta, de onde vejo um pequeno filete de luz. O suficiente apenas para me permitir enxergar algo. Mas de novo eu me sinto estranho. A temperatura do quarto parece mais fria que antes. Um vulto passa em frente à porta, apenas uma sombra, mas eu a vi. Levanto assustado outra vez e sento na cama. Meu coração parece que vai sair pela poça, mal consigo respirar de tão nervoso. Acho que vou morrer. Esta deve ser a sensação. Ouço meu filho se revirar no berço e começar a falar baixinho, algo que não entendo, o frio aumenta e não consigo mais me segurar. Acendo a luz novamente.

Mais uma vez não há ninguém no quarto. Apenas o garoto em pé no berço, me observando, parado, inerte, seu rosto sem expressão e a chupeta na boca. Aperto os olhos pois a mudança de luz me deixou atordoado, ele está estranho, os olhos e a pele amarelados, não parece mais com o meu filho querido. Aquela visão e a sensação de gastura me impede de mexer, fico ali parado, observando, paralisado, com medo.

Ele me olha, abre a boca, seus dentes de leite estão escurecidos e a língua e meio azulada. Um cheiro horrível toma conta do quarto. Filho é o papai, falei. Ele então levanta a mão e aponta para a parede atrás de mim. Olho para trás e a sombra está lá se mexendo como se fosse me engolir. Olho de novo para frente e ele já está em cima de minha cama, agachado, me olhando. Antes que eu pudesse fazer algo ele pulou em cima de mim e cravou seus dedinhos em minhas costelas, dos dois lados. O agarro e grito, grito com todo o ar de meus pulmões. Foi então que a escuridão me pegou. Acordei aqui, já não estava mais em meu quarto. O que teria me acontecido, pensei assustado.

— Fique calmo, você teve um surto psicótico e está internado. Disse o médico que estava ao meu lado.

— Onde está o meu filho?

— Sinto muito,mas ele está desaparecido. Apenas o seu sangue foi encontrado no quarto em sua casa. A policia acredita que você o matou e escondeu o corpo. Eles virão interrogá-lo mais tarde.

— Não! — Gritei, chorei, me desesperei e só então percebi que estava amarrado em uma maca. Desde então estou preso, acusado de louco e de matar meu filho, mas tenho certeza de que tem uma explicação para tudo isso. Sou inocente e definitivamente não sou louco.

— Como você pode estar tão certo disso?

— Por isso. — levantei a camisa e mostrei a marcas dos dez dedinhos cravadas em meu tórax.

— Desencana, você nunca sairá daqui.

— Porque diz isso com tanta certeza?

— Experiência própria. — Ele então ele se levantou e foi brincar com a colher em outra mesa. Quando virou de costas pude ver as cicatrizes de dez dedinhos fincados bem abaixo de suas costelas.


THE END ....FOR NOW

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