sexta-feira, 17 de abril de 2009

Conto: O barqueiro

Hoje não era mais um dia qualquer, há muitos anos ele esperava por esta oportunidade, seu sonho se realizaria e se tudo desse certo encontraria novamente com seus parentes e amigos. Durante muitas horas esperara na margem do rio até que finalmente após brigar com meio mundo e provar que poderia embarcar, conseguiu subir a bordo.

O barco então seguiu calmamente pelo rio longo e tortuoso. Era possível ver as chamas altas queimando em uma das margens e as luzes azuis que pareciam subir aos céus na outra. A fúria das ondas teimava em fazer com que as águas sujas molhassem os dois passageiros e atrasava a viagem. O velho barqueiro, vestido em sua capa preta e com o capuz na cabeça, remava em pé e o olhava em silêncio.

— A muito espero por esta viagem, nem acredito que tenha conseguido chegar até aqui. Hoje é um dia muito especial. — Disse o passageiro, ansioso para chegar ao seu destino.

— Ainda não atravessamos o rio e muitas coisas podem acontecer no meio do caminho. Todavia, acredito que correrá tudo bem. Desde que você cumpra o prometido, é claro.

— Eu vivi uma vida impoluta, caridosa e de oração, fiz tudo o que podia e não podia para me tornar digno de estar ali. — Apontou o dedo para a margem iluminada. — Posso até ver meus parentes lá do outro lado, que sensação maravilhosa.

O barco continuou o seu caminho e a ansiedade aumentava a cada remada, a gritaria chegava aos ouvidos, pois as festividades da recepção já haviam começado.

— Agora, falta pouco. Pague-me por favor. Isto é o combinado. — Solicitou educadamente enquanto tentava controlar o barco que balançava muito devido as fortes ondas.

— É para já! — Disse ele retirando as duas moedas que tinha no bolso.
Neste momento por azar ou força do destino, a poucos metros da margem, uma onda maior sacudiu o barco e as moedas escorregaram de suas mãos e caíram no rio turbulento.

— Você tem outras moedas? — Perguntou o barqueiro.

— Ai meu Deus eram as minhas únicas duas. O que faço agora? Por favor me leve até a margem que eu arrumo outras com meus parentes.

— Sinto muito, regras são regras — respondeu furioso e virou o barco rumando para a outra margem.

Ele então ficou ali, sentado, perplexo, imóvel, escutando ao longe a lamúria daqueles que o esperavam. Toda a sua vida tinha sido em vão. Uma lágrima escorreu em sua face enquanto olhava as chamas do Inferno queimando a distância e o barqueiro Caronte o levava embora do Paraíso.