quinta-feira, 9 de abril de 2009

Conto: Sangue na Favela

Estava em casa fazendo nadinha e resolvi dar uma variada, por isso escrevi algo diferente. não vou colocar um ilustração aqui porque senão vai matar o suspense de quem ler.
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Mais uma vez o bar estava lotado, pelo menos umas trinta pessoas se espremiam entre as mesas, o balcão e a sinuca. O samba tocava alto e as mulatas sempre sorridentes e faceiras rebolavam ao pé das mesas. Do lado de fora um pequeno grupo com seis integrantes tocava seus instrumentos e cantava animado. Lá no Canadá não temos nada disso, pensei empolgado.

A Favela da Rocinha é um dos melhores pontos turísticos que já visitei. O povo está sempre de bom humor, prestativo e receptivo. Ela tem seus problemas, é claro, mas nada disso consegue tirar a minha vontade de revisitá-la, sempre que posso. Hoje vou me amarrar em uma morena e passar a noite inteira na farra, tomando caipirinha e transando como louco. Acho que só no Brasil mesmo para eu conseguir me divertir desse jeito. Até tomei o cuidado de escolher a roupa mais adequada, camisa e bermuda brancas. Só não comprei um chapéu branco porque iria desmanchar meu cabelo arrepiado. A barba mal feita, era algo que eu nunca iria mudar mesmo.

— Por favor, me empresta o fogo — perguntei ao carinha atrás do balcão. Tirei uma nota de dez dólares do meio de um bolo de cinqüenta e paguei — E me dê mais uma cerveja.

— Nós não aceitamos dólares aqui. Não temos como te devolver troco para isso.
— Por acaso eu pedi algum troco?
— obrigado então. Mais alguma coisa?
— Sim, me dê uma cachaça também.

Ascendi meu charuto e voltei para a mesa no canto onde estava sentado. A cerveja estupidamente gelada, branquinha do lado de fora, me dizia que talvez o retorno para o Canadá pudesse esperar mais uns dias. Contudo, eu só pensaria nisso amanhã.

A fumaça do charuto preencheu o lugar onde eu estava e as pessoas me olharam de um jeito meio atravessado, mas mesmo assim fiquei ali, esperando para ver o que poderia acontecer. Eu já havia percebido que um grupo de malandros me olhava, desde a hora que entrei no bar e notei que o barman estava falando com eles. Deve ter sido por causa do maço de notas de cinqüenta que eu mostrei a ele. A isca estava lançada.

— Você não gostaria de se sentar e conversar um pouco comigo, perguntei a bela morena que estava em pé ao lado da minha mesa.
— Isso depende, o que você tem para me oferecer? — ela perguntou com a voz mais suave e doce que eu já tinha ouvido.
— O mundo — respondi olhando em seus olhos — e nada, pensei.

Ela se sentou e pude sentir seu perfume barato e o cheiro de creme nos cabelos. Isso me excitou e uma sensação agressiva começou a tomar conta de mim. Pena que ela teria que esperar até mais tarde, pois ainda havia algo que eu precisava fazer. Não demoraria muito.

— Levante-se e saia bem devagar, finja que não gostou de algo que eu te disse.
— Por quê? O que eu fiz?
— Nada, mulher, apenas não quero que se machuque. Vá agora, depois nós conversamos. Pegue o meu cartão e me encontre no Copacabana Palace às onze horas.

Ela concordou e com um sorriso de molequa nos lábios se levantou e foi em direção a saída do bar. No caminho percebeu a movimentação que se formava. A maioria das pessoas já havia saído e o restante me observava. O barman continuava lá, sorrindo sarcasticamente. Este aí vai ter o que merece, pensei.

Não fiz nenhuma menção de me levantar, ao contrário, pedi que me servissem mais duas pingas, uma cerveja. O próprio barman me olhou torto e trouxe o que pedi.

— Aqui está senhor. Por acaso você é maluco? — Perguntou. Como não respondi, ele saiu.

Dez homens entraram no bar, uns armados com fuzis AK-47, outros com pistolas. O chefe do morro, um tal de Jorge Navalhada, se aproximou e se sentou na minha mesa. Ficou ali uns dois minutos me olhando sem dizer uma só palavra.

— Quem é você? — Ele perguntou.
— Tome uma pinga, ela está ótima. Tomei até a liberdade de pedir um copo para você.
— Você deve ser maluco mesmo, tem alguma idéia de que eu seja?
— É claro, vim aqui a sua procura. Tenho algo a te oferecer.

— Espero que seja rápido e muito bom porque se você sabe quem eu sou, já sabe também que sua vida está em risco e a minha navalha está ansiosa para te retalhar todinho. — Disse rindo e olhando para seus comparsas, que também estavam as gargalhadas.

— Vou lhe explicar, — disse grosseiramente — a algum tempo, desde que meu grupo foi desfeito, com o desaparecimento de nosso mentor, passei a cultivar o ódio dentro de mim, deixar aflorar esse lado selvagem que carrego. Me tornei, até certo ponto, um fora da lei. Cansei de ser bonzinho. Decidi que iria fazer as coisas do meu jeito. Sempre que posso viajo pelo mundo a procura de pessoas como você, que dominam tudo, e aviso que vou juntar ao seu grupo. Já fiz isso na África, Líbano, Ucrânia, Itália e em muitos outros lugares. Eu agora sou o que sempre fui, um assassino selvagem e impiedoso, a caça de quem tem mais poder.

Ele ficou ali, me ouvindo, com aquele ar de curioso. — Continue — disse o ele movimentando as mãos.

— Nunca tive dúvida de que adoro o Morro da Rocinha e o povo daqui. Por isso plantei a isca, com aquele pequeno maço de dólares. Até que você foi menos previsível do que eu imaginava. Demorou vinte minutos para descer. — Traguei novamente charuto e soprei a fumaça bem devagar olhando a reação do meu suposto anfitrião. Tomei a outra cachaça e perguntei — Está interessado?

— Deixe me ver, você vem aqui com essa arrogância toda, apenas para saber se eu quero te contratar? Que tipo de imbecil é você?

— Você é burro ou eu estou falando outra língua? — perguntei rispidamente. — Quando eu disse me juntar ao seu grupo, em nenhum momento pedi para ser contratado. A minha oferta é para você me entregar a chefia, descer do morro para sempre e continuar vivo. A partir de agora o Morro é meu e pronto! E aí? Topas?

O estampido do tiro pode ser ouvido à distância, e na rua as mulheres gritaram. A dor era algo que eu estava acostumado, afinal eu a sentia todos os dias em minhas mãos. Caí para trás deitado no chão, com uma bala de trinta e oito no peito. Em seguida senti o peso do desgraçado em cima de mim.

— Cara, você é doido! — Ele gritava e olhava em meus olhos. — Pegou a navalha e passou em meu rosto, na diagonal, cortando superficialmente de um lado ao outro. — Agora é a minha vez de falar, sem besteiras, tua vida acabou, só que antes eu vou te cortar todo antes dessa bala te matar.

Sorri para ele e fiquei esperando me recuperar.

— Eu te dei uma chance. Agora, já era, você está fudido. — Segurei suas mãos e me levantei, arranquei a navalha e joguei-a longe. Usei as minhas lâminas. A bala não estava mais em meu corpo e o corte já havia cicatrizado.

Os capangas ficaram ali imóveis, olhando assustados ao que se passava. As duas lâminas uma de cada lado do rosto de seu chefe só não os assustavam mais do que o sangue que escorria por entre meus dedos. Joguei o Navalhada no chão e saltei em direção aos bandidos. Um a um, eles caíram. Mal tiveram tempo de sacar suas armas. Minhas lâminas eram rápidas e furiosas, meus movimentos precisos por anos de treinamento e meu corpo indestrutível.

Nove dos dez capangas mais o barman morreram ali, em meio ao próprio sangue, retalhados em pedaços. Um deles eu decidi poupar para que transmitisse o meu recado.

Voltei-me então para o meu amigo Navalhada. Olhei em volta e vi que o bar estava destruído.
— Seu filho da puta arrogante e burro, eu te dei uma chance e você desperdiçou, olha só o que eu tive que fazer. Olha só a minha roupa nova, ela era branquinha e agora está furada e vermelha. — Meus olhos fervilhavam com a excitação pela briga e meu corpo tremia. Toda aquela violência me fazia lembrar de quem eu realmente era. Um animal. Olhei para os capangas e disse:

— Avise a minha morena que em meia hora estarei lá no hotel esperando por ela. E lembrem-se de quem manda aqui, agora! esse Morro é meu! Avisem a todos os outros chefes do tráfico que estarei chagando para ter uma conversinha particular com cada um. Espalhem que o monstro que não pode morrer está a caça, aqui no Rio de Janeiro. — Então sob seus olhares pasmos e aterrorizados, cortei o navalhada em pedaços.

— Quem é você? Perguntou um deles.
— Eu me chamo LOGAN, mas todos me conhecem por WOLVERINE. — Dei outro trago no charuto, recolhi as lâminas das minhas mãos e fui embora me divertir com aquela morena linda e sensual que eu havia conhecido à pouco.